POLÍTICA

Professor Teodoro Melo
A política Social e Econômica
Por: Claudio Salvadori Dedecca

     A atual subordinação da política social à econômica é mais perversa que a ocorrida entre 1930 e 1990. Apesar da política econômica, durante esse período, ter mantido sob custódia a política social, ela possibilitou a construção limitada desta última. No presente, a subordinação provoca a sua destruição
     Não é fácil tratar da política social em um país como o Brasil, face os desequilíbrios acumulados, desde o final do século XIX, entre o desenvolvimento econômico e o social. É fruto desse processo a elevada desigualdade presente em nossa sociedade. O tamanho da dívida social torna altamente complexa a construção da política social, como provoca um sistemático isolamento entre os debates sobre sua definição e aquele sobre a política econômica.
     A limitada capacidade de construção de uma visão sistêmica entre as políticas social e econômica transforma a primeira em sinônimo de política pública, dando à segunda um caráter quase autônomo em relação à gestão do aparelho do Estado. Assim, esvai-se o reconhecimento da função de planejamento a ser cumprida pelo Estado. O resultado desse movimento é a subordinação da política social às diretrizes da política orçamentária do Estado, a qual deve se adaptar aos imperativos da lógica de caráter privado. Tal processo se completa com a mudança da concepção básica do que seja política social: ao invés de garantir a proteção social ampla, ela deve assumir uma função mais assistencialista, explicada por seu caráter compensatório e focalizado.
Para compreender esse movimento e suas implicações para a organização atual da sociedade brasileira, é preciso recuperar alguns traços básicos do processo de desenvolvimento capitalista nos países avançados e no Brasil ao longo do século XX.
É a partir do final do século XIX que se pode falar do aparecimento da política social no capitalismo avançado. A crise do capitalismo concorrencial, no terceiro quartel daquele século, tornou impossível qualificar o desemprego como uma situação produzida pela destruição de atividades oriundas ainda do regime feudal. Pela primeira vez, contingentes elevados de população, com tradição no assalariamento, pressionavam o mercado de trabalho como única alternativa para resolver seu problema de sobrevivência. A monetarização do consumo impedia que a população resolvesse sua sobrevivência fora do mercado de trabalho.
Essa situação de dependência permitia aos capitalistas uma elevada capacidade de exploração da força de trabalho, cujo alcance se refletia em jornadas de trabalho próximas às 16 horas diárias e na utilização brutal do trabalho da mulher e da criança. Ademais, a dependência transformava em um problema grave a sobrevivência daqueles que não mais possuíam condições de participar do mercado de trabalho. A relação individualizada de trabalho - básica do capitalismo - reduzia acen­tua­damente a possibilidade dos mais velhos terem sua sobrevivência resolvida no âmbito de suas famílias.
     A completa subordinação do trabalho ao capital em um contexto de revolução das condições de produção consolidava uma sociedade crescentemente desigual, marcada por uma completa falta de proteção social para aqueles que dependiam da venda de sua força de trabalho para sobreviver. É contra essa sociedade da exclusão que emerge a política social. Seu aparecimento, juntamente com a política econômica, irá compor o campo das políticas públicas. Concomitantemente ao aparecimento das medidas de proteção ao desemprego, previdência e de regulação básica do contrato de trabalho, se desenvolvem aquelas voltadas para a difusão dos sistemas públicos de educação e de atendimento básico à saúde. Nas primeiras décadas do século XX, um processo lento de consolidação dessas medidas será observado.
     A política social irá conhecer um grande avanço no período do pós-guerra. Entretanto, os elementos que induziram esse movimento foram consti­tuídos nos anos 30 e 40.
     A gravidade da crise dos anos 30 irá explicitar uma importante deficiência do desenvolvimento capitalista. A consolidação do capitalismo monopolista mostrou o potencial desse modo de produção em sustentar aumentos sistemáticos da produtividade associados à geração de volumes crescentes de riqueza. Contudo, esses movimentos de expansão são seguidos de crises violentas, caracterizadas tanto por uma situa­ção de instabilidade econômica como política, que podem viabilizar a própria superação do capitalismo.
     Para os conservadores, essas si­tua­ções de crise deveriam ser respondidas por meio de uma redução do salário real, que permitisse recompor a lucratividade capitalista. Assim, os conservadores irão defender flexibilidade da política social e das relações de trabalho como instrumento básico para superação da situação de crise dos anos 30. Keynes se contrapôs a essa posição, argumentando que tal flexibilidade aprofundaria a situação de instabilidade, pois reduziria a demanda por bens criada pelo gasto dos trabalhadores. Ademais, apontou que o problema dos capitalistas não era a falta de acumulação corrente de lucros, mas a ausência de perspectivas para novos investimentos. Ao contrário, indicou que a financeirização da riqueza observada no período ilustrava a existência de recursos disponíveis para o investimento. Desse modo, defendeu a necessidade de recuperar as condições de investimento e a elevação do nível de consumo corrente da população.
     Para que isso fosse possível, eram necessárias políticas econômicas e de redistribuição da riqueza que estimulassem a produção e o consumo. A política social ganha uma nova dimensão ao se transformar em um instrumento fundamental para o processo redistributivo, considerado necessário para a estabilidade e o crescimento econômicos. Reduz-se fortemente, portanto, sua função compensatória dos efeitos negativos provocados pela política econômica.
     Para que esses efeitos fossem ainda mais reduzidos, foi necessário que essa política assumisse um papel claramente ativo. Assim, as políticas cambial, monetária e fiscal tornaram-se claramente intervencionistas, rompendo com a tradição liberal de caráter passivo. Nesse contexto, vai se construindo o chamado Estado de bem-estar social, o qual articula a política econômica à política social com o objetivo de proteger a sociedade das situações de instabilidade e crise capitalistas e de garantir uma redistribuição do excedente econômico gerado, com objetivo de reduzir a desigualdade social e sustentar o nível de demanda corrente.
     A reorganização das políticas será forçada pela necessidade de um crescimento econômico com estabilidade política, no pós-guerra, que contivesse o chamado perigo vermelho no Leste europeu e na Ásia. Era decisivo que o capitalismo mostrasse ser capaz de construir uma sociedade do pleno emprego e mais igualitária, após duas décadas de crise e guerra. Os arranjos políticos, em um outro contexto de definição das políticas econômica e social, viabilizaram o chamado período dos anos dourados do pós-guerra. Deve-se lembrar que, ao contrário do recorrentemente propalado, esse crescimento não teve duração de 30 anos, mas de cerca de 15 anos somente.
     O esgotamento desse período de expansão encontra várias explicações. Aquela que apresenta maior convergência associa a crise ao processo de financeirização da riqueza iniciado em meados dos anos 60. As mudanças na taxa de juros, a redução dos retornos esperados para os novos investimentos e a perda da capacidade de crescimento dos mercados mais dinâmicos tornavam menos atrativos os investimentos produtivos face os retornos esperados nas aplicações financeiras.
     O que interessa explicitar desse movimento é a emergência de pressões contrárias ao padrão de políticas públicas estabelecido. O importante papel redistributivo por elas cumprido é colocado sob fogo cruzado. O efeito desacelerador da crise sobre as receitas do Estado e o seu impacto negativo sobre os gastos da política social provocaram um desequilíbrio das contas públicas, que passou a ser diagnosticado como o principal foco da instabilidade econômica. Fazendo analogia com o efeito causado pela onda do mar, que devolve sistematicamente areia à praia (crowding out), os conservadores defenderam que a apropriação de renda pelo Estado distorcia a distribuição do excedente econômico, deslocando os investimentos privados e acabando por gerar inflação e desemprego. Tomavam o elevado e crescente peso do Estado na distribuição funcional da renda para justificar tal argumento. De fato, invertiam novamente os termos do debate, retomando o diagnóstico que faziam nos anos 30, ao refutar o papel que a redistribuição de riqueza cumpre para a estabilidade da acumulação capitalista.
     Segundo essa perspectiva, era preciso fundamentar as políticas públicas em novas bases, no sentido de permitir uma oxigenação do setor privado. A solução encaminhava mudanças na política econômica, que deveria assumir um suposto caráter passivo, e na política social, que deveria transformar seu caráter universal e predominantemente estatal em focalizado e não estatal. Nesses últimos 30 anos, temos observado a prevalência dessa perspectiva, que transforma a política social em instrumento compensatório e claramente subordinado da política econômica. De uma visão mais abrangente, ressurge outra, simplesmente contábil, da política social.

Antecedentes no Brasil

     Analisar a política social no Brasil exige alguma recuperação sobre seu papel no desenvolvimento econômico vivido pelo país ao longo do século XX.
     De modo tardio, o Brasil aboliu o trabalho escravo. De maneira particular, o país constituiu as bases de seu mercado de trabalho livre sem lançar mão da força de trabalho negra liberta. Ao contrário, a lei de terras de 1850 garantiu tanto a propriedade latifun­diária como a abundância de força de trabalho para sua manutenção. Assim, a montagem do mercado de trabalho assalariado foi iniciada com a vinda de imigrantes, apesar da grande disponibilidade de força de trabalho existente no país.
     Essa particular característica da formação de nosso mercado de trabalho irá garantir força de trabalho abundante para o processo de industrialização, que ganha impulso a partir da crise de 1930. Também desde essa década têm prevalência regimes políticos autoritários que reprimiram sistematicamente o movimento operário, impedindo que sua organização pudesse modificar a relação entre o processo de industrialização e o desenvolvimento social.
A regulação da Era Vargas, consolidada nos primeiros anos da década de 40, estabelece uma dinâmica da questão social que somente ganhará novos contornos na Constituição de 1988. Se analisada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) com os olhos da década de 40, pode-se afirmar que o estabelecimento dos direitos nela inscritos representaria uma modificação radical das condições do mercado nacional de trabalho e da questão social. Para um país ainda predominantemente agrícola e fundado em um conjunto de atividades de baixa produtividade, os direitos propostos para o trabalho poderiam ser considerados um quase nirvana para a população da época. Entretanto, o Estado autoritário não permitiu que a organização e a ação dos trabalhadores tornassem efetiva e extensa aquela base de direitos.
     Ademais, essa base de direitos não se estendia formalmente à grande maio­ria dos trabalhadores, pertencentes às atividades agrícolas. Desse modo, o Estado bloqueia a difusão da regulação social sobre o mercado e as relações de trabalho, referendando politicamente uma recorrente informalidade de boa parte dos contratos de trabalho e garantindo o caráter limitado da proteção social.
     O período democrático dos anos 50 até o início dos 60 foi insuficiente para a modificação do padrão de regulação social. Apesar da maior presença da ação sindical, os anos de crescimento do Plano de Metas não foram acompanhados de avanço da questão social. Somente no início dos anos 60, a emergência de novas categorias de trabalhadores, vinculados aos setores que ha­viam comandado a transformação econômica da década anterior, colocará como reivindicação a alteração da regulação social e do mercado de trabalho. Pela primeira vez, aparece de modo mais candente a pressão por um desenvolvimento econômico atrelado ao desenvolvimento social.
As implicações dessa perspectiva motivaram a reação conservadora, que articulou e sustentou o golpe militar de 1964. O regime autoritário realiza uma reforma na regulação do mercado e das relações de trabalho, bem como das demais políticas sociais. Essa reforma, caracterizada principalmente pelo fim do regime de estabilidade no emprego e a introdução do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), e a repressão violenta à ação e organização sindical, reforçaram e ampliaram o caráter restrito da regulação social. Mais uma vez, se postergava a solução da questão social.
Somente com a perda de legitimidade dos governos militares na segunda metade dos anos 70, haverá o reaparecimento da ação sindical e uma pressão mais efetiva para que a política social tivesse maior proeminência nas diretrizes do desenvolvimento econômico. Desse modo, uma maior atenção é dada à questão no II Plano Nacional de Desenvolvimento.
A questão e a política sociais somente ganharão maior importância durante o processo de democratização do país, movimento que resultou na elaboração de uma Constituição, aprovada em 1988. O novo ordenamento procura definir um projeto que garantisse a centralidade do desenvolvimento social em uma situação de expansão da economia.
Algumas inovações importantes foram adotadas. A primeira delas foi a garantia de universalização da educação, da saúde e de garantia de renda para os idosos. Uma outra foi a definição de um orçamento específico para a seguridade social, circunscrito às políticas de saúde, previdência e assistência social. Também constituiu-se o Fundo de Amparo ao Trabalhador com o objetivo de financiar a política de geração de emprego, o seguro-desemprego, a formação profissional e a intermedia­ção de mão-de-obra.
A definição dos pilares básicos para a estruturação da política social foi realizada concomitantemente ao reconhecimento da necessidade de se estabelecer uma mínima social para o desenvolvimento futuro do país. Com esse objetivo, um conjunto amplo de direitos sociais básicos são estabelecidos no artigo 7o da Constituição, os quais são resguardados pela afirmação do direito de organização e de greve dos trabalhadores, inscritos nos artigos 8o e 9o.
Aceitando a tradição encontrada nos países desenvolvidos, a Constituição definia uma mínima social e garantia a ação organizada dos trabalhadores, entendendo que essa, conjuntamente com aquela exercida pelo Estado, teria papel decisivo para transformar em realidade o conjunto de direitos sociais inscritos em seu artigo 7o. Acreditava-se, assim, que estavam garantidas as bases para um desenvolvimento econômico estreitamente associado a um desenvolvimento social.
Os temas sociais presentes nas atividades da Constituinte encontraram sistematicamente a oposição dos conservadores. Ao longo do processo, organizados no chamado "centrão" conseguem barrar alguns avanços sociais propostos, como a modificação da estrutura agrária e maiores avanços de direitos sociais. Entretanto, constrangidos pelas condições políticas dominantes no período, os conservadores aceitaram referendar o projeto resultante das atividades da Constituinte. A partir de outubro de 1988, o país passou a ter uma nova Constituição. Iniciava-se, portanto, um novo período para o qual a sociedade brasileira deveria consolidar os mecanismos de efetivação das determinações constitucionais.
Nas eleições presidenciais de 1989 já se estabelece um debate polarizado por posições que defendiam, por um lado, a consolidação das novas determinações constitucionais e, por outro, a sua modificação. A primeira posição compreendia que os instrumentos institucionais existentes constituíam uma alavanca ao desenvolvimento econômico estreitamente associado ao social. A outra posição entendia que tais instrumentos eram um entrave social ao desenvolvimento econômico.
Durante todo o período de campanha os conservadores irão se posicionar explicitamente contra os riscos do projeto inscrito na Constituição. O temor em relação a esse projeto explicou o desrespeito completo dos conservadores a um comportamento ético, que teve seu momento de maior agressividade na manipulação do debate realizado na e pela Rede Globo nos dias imediatamente anteriores às eleições. A vitória manipulada da posição conservadora abriu um período de combate camuflado à Constituição de 1988. Sob o argumento do atraso provocado pelo Estado protecionista, predominante no país desde os anos 30, a política vitoriosa irá defender um processo de modernização com menor presença do Estado e com uma maior exposição do país ao mercado internacional. Um dos principais pontos da posição conservadora era que o protecionismo havia criado duas classes de cidadãos. Uma que se privilegiava da política social existente, caricaturizada pelos trabalhadores do setor estatal e das grandes empresas, e uma completamente desprovida dos benefícios dessa política, a qual era chamada de descamisados. Completando, argumentava que a situação de privilégio ocorria graças à falta de proteção aos descamisados.
Primazia da política econômica
A partir de 1990, inicia-se uma nova diretriz de estruturação socioeconômica para o país. Sob a justificativa de que a inflação prejudicava principalmente os mais pobres - fato inquestionável - e que a modernização e o desenvolvimento dependiam do rompimento do Estado protecionista, será fundada uma nova forma de subordinação da política social à econômica. Ao invés de tratá-las como complementares, define-se uma perspectiva de autonomia da política econômica, devendo-se conduzir a política social nas brechas ou limites permitidos pela primeira.
Entretanto, um novo enfoque passa a caracterizar a política econômica. Durante o período de industrialização, as políticas econômicas consideradas centrais (fiscal, monetária e cambial) pelos conservadores assumiam uma função ativa. Elas eram utilizadas como instrumentos decisivos para a defesa da estrutura produtiva e do mercado interno. Desde 1990, essas políticas tendem a assumir um suposto caráter passivo, pois perdem sua função intervencionista, mas devem continuar garantindo as formas de apropriação e valorização da riqueza.
Durante o governo Collor duas tentativas de consolidação dessa diretriz são realizadas. Em grande medida, ambas fracassaram pela ausência de um ciclo de crédito externo. Após um período de compasso de espera, decorrente do impeachment e do período de transição do governo Itamar Franco, ela é novamente retomada com o Plano Real, sendo agora viabilizada pela existência de crédito externo abundante.
Em um primeiro momento, uma posição bastante rígida é assumida na condução da política, impondo uma contração acentuada dos gastos públicos, uma política monetária austera e uma política de câmbio valorizado. São imediatos os efeitos sobre a política social. Inicia-se um movimento de reforma da política marcado por dois pontos básicos: flexibilização e focalização. Abre-se, portanto, um período de combate aberto às diretrizes constitucionais de 1988, em especial naquilo que se refere à mínima social e o caráter universal prevalecente da política social.
A política social deve, desse modo, se adaptar e ser flexível à política econômica. Face os constrangimentos impostos por essa política, a política social deve ajustar seus gastos à disponibilidade de recursos do Estado, após a dedução dos dispêndios da dívida pública.
Desse arranjo nasce o grande acicate da política social. A manutenção de políticas fiscal, monetária e cambial passivas em um contexto de altas taxas de juros e abertura da economia transformou a trajetória dos encargos da dívida pública em explosiva, mesmo que os gastos públicos apresentem uma tendência de sistemática redução. Assim se observa, durante os anos do Plano Real, um crescimento da carga tributária que não tem no gasto público o seu determinante. Aumentam-se os impostos para ampliar ainda mais o superávit do setor público, preferencialmente destinado ao pagamento dos crescentes encargos da dívida pública induzidos pelas políticas monetária e cambial. Ao mesmo tempo, a política econômica exige a contração dos custos da política social.
Nesse contexto, o debate da política social transforma-se em um problema contábil. Face os constrangimentos impostos ao gasto público, é preciso ordenar a política social privilegiando as situações consideradas de risco. É necessário, portanto, focalizar a política social, buscando elevar os retornos esperados.
Ademais, em razão da péssima herança vinda da era protecionista, é preciso reformar o Estado, dando à genericamente chamada sociedade civil a responsabilidade de gerenciá-la. De maneira complementar, faz-se necessário modificar a proteção ao mundo do trabalho, pois essa é a causa principal dos privilégios obtidos por uma parte restrita dos trabalhadores. Assim, aparece a necessidade de uma reforma trabalhista que possibilite adequar os direitos à nova realidade da economia brasileira, exigindo, em conseqüência, a flexibilização do artigo 7o da Constituição. Ou melhor, deve-se abandonar o projeto de uma política social que tenha como objetivo uma mínima social. Essa não mais se justifica sob os novos ventos de uma política social de caráter focalizado e flexível. Afinal, ela é indissociável de uma diretriz voltada à constituição de um conjunto de direitos básicos de caráter universal.
Encontram-se explícitos, portanto, os objetivos da política conservadora, que reproduz a tendência histórica de subordinação da política social à econômica. As dificuldades de romper essa relação perversa se ampliam a cada momento que as situações de instabilidade da política econômica exigem novos ajustes nos gastos correntes do Estado, os quais impõem maiores restrições à política social.
Após 12 anos, é patente a incapacidade da atual política econômica via­bilizar uma trajetória de crescimento sustentado. Nesse sentido, pode-se afirmar que a subordinação da política social à econômica é mais perversa que aquela ocorrida entre 1930 e 1990. Apesar da política econômica, durante esse período, ter mantido sob custódia a política social, ela permitia uma oxigenação dessa através da sua capacidade em gerar crescimento. A subordinação, no passado, possibilitou a construção limitada da política social. No presente, a subordinação provoca a sua destruição.

Rompimento e não reforma

     Explicita-se, portanto, a impossibilidade de desenvolvimento social com a continuidade da atual política econômica. Ademais, não basta modificar a política econômica de maneira autônoma, para depois pensar a política social. É preciso estabelecer a eqüidade de tratamento entre ambas.
Somente com o reconhecimento da eqüidade será possível transformar a relação entre políticas prevalecente no Brasil durante todo o século XX, que se constitui na raiz de nossa grave situação de desigualdade social. Nesse sentido, é fundamental retomar a construção de uma mínima social como um fundamento para a construção de ambas as políticas. Ao invés de desprezar as determinações constitucionais, faz-se necessário valorizá-las, colocando-as como elemento fundador das políticas social e econômica.
Isso não é incompatível com uma reforma trabalhista que favoreça a qualificação das relações de trabalho no país, em favor de um melhor desempenho de nossa estrutura econômica. É perfeitamente possível buscar consolidar a mínima social inscrita no artigo 7o e favorecer a negociação coletiva. Para tanto, basta garantir liberdade de organização aos trabalhadores, direito de representação no local de trabalho vinculada aos sindicatos e acesso a esses das informações sobre a gestão e resultados das empresas. A negociação coletiva, nessas condições, poderia buscar elevar a produtividade e a competitividade da economia brasileira com o propósito de garantir e elevar a mínima de direitos sociais. Para tanto, faz-se necessário modificar somente o artigo 8o. Não se observa, desse modo, a suposta contradição entre política social e política trabalhista, tão bradada pelo discurso conservador.
A grande inovação nascida durante a crise dos anos 30 foi o reconhecimento do papel da política social para a estabilidade e o crescimento econômico, dando eqüidade entre ela e a   política econômica. A valorização da ação sindical e da negociação coletiva foi parte daquela inovação.
     A hegemonia da política conservadora, observada no mundo desde o início dos anos 80, realiza uma contra-revolução dos princípios construídos entre 1930 e 1980. O projeto político dominante no Brasil, desde 1990, aderiu facilmente a esse movimento. Afinal, o país jamais havia estabelecido a eqüidade entre as duas políticas.
     Face os efeitos de desestruturação causados por essa diretriz política, ao longo desses últimos 12 anos e após a década de crise dos anos 80, são grandes os constrangimentos existentes à reorientação da política econômica. Entretanto, a modificação do quadro social prevalecente no país exige tanto essa reorientação, como a construção da eqüidade entre essa política e a política social. É preciso abandonar o tratamento diferenciado e desassociado que recorrentemente é dado a elas. Os programas de previdência, educação, saúde, infra-estrutura social, as políticas de emprego e formação profissional, a política de redistribuição de renda e a reforma agrária devem ser compreendidos como indutores da estabilidade e do crescimento econômico. A política econômica a eles deve responder. E não o inverso, como ocorreu no país durante todo o século XX.