ANTROPOLOGIA




Professor Teodoro Melo
Antropologia, ciência recente.

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“A visão funcional da cultura repousa no principio de que em qualquer tipo de civilização, cada costume, objeto material, idéia ou crença, satisfaz alguma função vital, assim como certas tarefas realizadas representam uma parte indispensável para todo o trabalho”.
B.Malinowski
Entre as diversas ciências humanas que emergiram da Revolução Intelectual dos séculos XVIII-XIX, a antropologia foi a mais tardia de todas. A sua motivação inicial, o elemento deflagrador para que ela se tornasse uma ciência, decorreu do impacto do pensamento evolucionista e darwinista no século XIX.
Ao colocar-se em descrença a explicação bíblica exposta no Gênese, pela qual o homem nasceu de uma ação divina imediata, o Ato da Criação, abriu-se o caminho para que cientistas e demais pesquisadores saíssem a campo, pelo mundo todo, atrás do chamado elo perdido, isto é, do antropóide ou hominídio, o ser meio animal, meio humano, que hipoteticamente teria ligado, em algum tempo remotíssimo, o mundo natural ao mundo humano, a ponte sobre o riacho Rubicon que aproximara, num lugar incerto e obscuro do tempo, o símio do homem. Abandonavam desta maneira a crença na divindade do ser humano, implícita a qualquer pensamento religioso, para, aparelhados nas ciências físicas e exatas, mergulharam atrás das suas raízes naturais do homem, entendendo-o fruto da Natureza e não de Deus.
Simultaneamente a esta verdadeira caçada às formas pré-humanas, atrás dos vestígios últimos dos primatas, os interesses dos investigadores ampliaram-se para o estudo das sociedades ditas primitivas, acreditando que elas também mereciam serem submetidas ao crivo da racionalidade ocidental. Desta forma, a antropologia começou a alargar-se, procurando determinar qual era a organização social das tribos e qual era o sistema de parentesco delas, como realizavam suas cerimônias de iniciação e de matrimônio, como procediam nos seus ritos religiosos e nos de sepultamento, e de que maneira viam os céus e temiam os demônios.
A Antropologia é, pois, o estudo do homem. Se bem que, como observou Malinowski, existam outras ciências que igualmente o fazem, tais como a sociologia, a psicologia, a historia, a leis, a economia, e a ciências políticas, ela, a antropologia, se distingue por incluir na sua área de estudo as questões de ordem físicas, anatômicas e estruturais do homem, atendidas pela chamada Antropologia Física, que tratado o homem como um organismo físico, seguiu as pistas da sua evolução a partir das formas mais primitivas da vida.
Antropologia física
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Os antropólogos físicos, atuando quase que como arqueólogos ou anatomistas, analisam o material fóssil esquelético das formas que estão dentro da descendência humana (múmias indígenas dos maios, astecas e incas, por exemplo) ou nas suas proximidades. Os resultados disso são classificados , graças à técnica do Carbono 14, também chamada como o Relógio do Carbono, numa certa seqüência de tempo, comparando anatomicamente suas descobertas com a estrutura física dos primatas atualmente existentes. O resultado chocou-se com a antiga classificação feita pelo arcebispo de Ussher, que datou a origem do homem no ano 4004 a .C., pois os antropólogos fizeram recuar o seu aparecimento para um milhão de anos atrás! Além disso tratam de observar e registrar cuidadosamente o comportamento dos símios, macacos e outros primatas dentro dos seus ambientes naturais e sob condições controladas de laboratório. Além disso, estudam no homem moderno suas diferença epidérmicas, a cor dos olhos, a textura do cabelo, o tipo de sangue, a constituição do corpo (altura, envergadura) bem como outros fatores que caracterizam a espécie.
Antropologia cultural
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Outro ramo da antropologia que ganhou grande estatura, e uma projeção que saltou para bem além das suas fronteiras de investigação, foi o da antropologia cultural. Isto deveu-se pela impressionante ampliação do seu campo de ação, englobando a lingüistica, a arqueologia e a etnologia (descrição ou crônica da cultura de uma tribo ou povo), estudos esses que referem-se ao comportamento do homem, particularmente no que diz respeito às atitudes padronizadas, rotineiras, que genericamente chama-se de cultura. Entenda-se que para o antropólogo a palavra cultura adquire uma outra dimensão do que a que convencionalmente entendida. Não se trata de identificá-la, a cultura, com erudição ou sofisticação, como é comum associar-se essa palavra, mas sim de utiliza-la para definir tudo aquilo que o homem faz, pois, para o antropólogo, cultura é forma de vida de um grupo de pessoas, uma configuração dos comportamento aprendidos, aquilo que é transmitido de geração em geração por meio da língua falada e da simples imitação. Não se trata de um comportamento instintivo, mas algo que resulta de mecanismos comportamentais introjetados pelo indivíduo.
Áreas de interesse
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Além da religião, fazem parte da cultura os modos de alimentar-se (“O cru, o assado e o cozido”, brilhante ensaio de Lévi-Strauss, mostra a variação dos procedimentos das tribos com o alimento), de vestir-se, de combater ou de seguir os rituais religiosos. Os antropólogos que seguem por esta senda podem até ser divididos naqueles que se interessam em procurar aquilo que é comum entre as várias culturas espalhadas pelo mundo, e aqueles outros que têm o seu interesse voltado exclusivamente para o que é original, singular, único, naquela cultura. Seus olhos e ouvidos voltam-se então para a magia, para os mistérios anímicos, o medos aos “manes”, aos fantasmas, a linguagem dos sonhos, para a mitologia e as concepções cósmicas, para o significado dos totens, para o sistema de parentesco e os procedimentos nupciais, para as tatuagem e automutilações, os sacrifícios, tudo isto entendido pelos antropólogos como “linguagens” especiais passíveis de serem estudadas, compreendidas e catalogadas.





Conhecendo a Antropologia através de três referências

             A Antropologia é a ciência que estuda o homem por inteiro, como um todo, preocupando-se com os vários aspectos da existência humana.


Idéias pioneiras
            Marcando o período da conquista colonial, no século XIX imigrantes europeus povoam a África, Austrália, Índia e Nova Zelândia, servindo como informantes sobre essas localidades, então o antropólogo passa a refletir sobre estes povos a partir dos dados recebidos dessa rede de informações, nascendo as primeiras obras.
            Com objetivos ambiciosos os estudiosos pioneiros acreditaram estar produzindo um “corpus etnográfico da humanidade”, mudando o centro das atenções dos indígenas, no século XVIII, para o “primitivo” considerado o ancestral do civilizado, propiciando a relação entre a antropologia e o estudo do primitivo o conhecimento sobre a origem da humanidade que teria passado das formas simples de organização social e de mentalidade para as formas mais complexas que seriam as da sociedade “civilizada”.
            Esta é a teoria do Evolucionismo: haveria uma espécie humana idêntica, porém com o desenvolvimento técnico, econômico, social e cultural em ritmos desiguais, passando pelas mesmas etapas para alcançar o nível final que é o da civilização.
            Um ícone dessa teoria é James Frazer, cuja obra o “Ramo de Ouro” relata pesquisas sobre crenças e superstições, retraçando o processo universal que conduz por etapas sucessivas da magia à religião, da religião à ciência.
            Estes estudiosos trabalhavam em cima do material recolhido pelos viajantes, mas ficavam no escritório, quando faltava documento para exemplificar o que queriam reconstituíam através da intuição. Demonstravam etnocentrismo em relação aos povos “atrasados”.
Essa teoria caracterizou-se pela atividade intensa, tendo como mérito colocar a universalidade e diversidade das técnicas, instituições, comportamentos e crenças; buscou também a unidade da espécie humana e, sobretudo, serviu como teoria paradigma que pudesse ser refutada.

Início e fundadores
            Como a ciência que conhecemos atualmente surgiu no começo do século XX, com Frans Boas nos EUA participando da 1ª grande expedição antropológica com finalidade científica, para quem Antropologia devia ser rigorosamente científica.
Boas foi um homem de campo, com ele teórico e observador se reúnem, estudou tribos na Colúmbia Britânica, utilizando a pesquisa microssociológica acreditava que tudo deve ser anotado e descrito minuciosamente e que só o antropólogo pode elaborar uma teoria científica de microssociedade, detectando através dos diferentes materiais a expressão da unidade cultural; com ele cada sociedade adquiriu estatuto de totalidade autônoma; foi o 1º a criticar o evolucionismo e a mostrar que costume só tem significado se relacionado com contexto no qual se inscreve, por isso também foi o 1º a salientar  a necessidade de acesso à língua da cultura na qual se trabalha.
O outro fundador foi Bronislaw Malinowski, criador do método científico fundamental na Antropologia, a observação participante, vivendo 4 anos nas Ilhas Trobriand estudou aspectos da vida dos melanésios como as práticas econômicas e de trocas, relações familiares, religião, mito e poesia. Considerava que a sociedade deveria ser estudada enquanto totalidade, tal como funciona no momento no qual é observada. Sua abordagem era analisar intensiva e continuamente a microssociedade sem se referir a sua história, pois acreditava que o que interessava não é saber como a sociedade chegou a ser o que é, mas saber o que é no presente momento através da interação dos aspectos constituintes (ou seja, uma sociedade deve ser estudada em si, independente de seu passado, tal como se apresenta no momento no qual é observada).
Com Malinowski a Antropologia se torna a ciência da alteridade. As sociedades de costumes diferentes têm significados e coerência próprios, com sistemas lógicos perfeitamente elaborados. Preocupou-se em abrir fronteiras disciplinares, considerando que o homem deveria ser estudado articulando o social, biológico e psicológico.
Para a teoria do funcionalismo, elaborada por Malinowski, o indivíduo sente necessidades e cada cultura vai satisfazê-las criando instituições (econômicas, jurídicas, políticas, educativas) para dar resposta coletiva organizada, resultando em soluções para atender as necessidades.

 

Desenvolvimento

            A Antropologia se desenvolveu com o estudo dos povos sem tradição escrita, obrigando antropólogos a tentar entender língua, economia, religião, mitologia, leis como partes de um todo e não como fragmentos estanques, tornando-se generalista ao invés de especialista.
Contudo, a partir da ameaça de extinção dos povos “primitivos”, objeto de estudo preferido da Antropologia, começou-se a temer pela sua continuidade. No entanto, como os povos, antes objetos de estudo, começam também a fazer estudos antropológicos, a realidade sócio-cultural toma novos rumos, sendo analisada por olhos diversos, tornando a crítica mais autêntica. A Antropologia deixou de servir ao imperialismo e colonialismo europeus.

Abordagem
A abordagem antropológica de base é a observação direta dos comportamentos sociais a partir de uma relação humana. E o seu ponto de partida é a posição e o ponto de vista do outro; estudando-o por todos os meios disponíveis, usando dados históricos, fatos econômicos, material político, tudo deve ser incluído no processo de entendimento de uma forma de vida social diferente.

Trabalho ou pesquisa de campo

O trabalho de campo é o modo característico de coleta de dados para reflexão teórica. Implica em uma vivência longa e profunda com outros modos de vida, com outros valores e outros sistemas de relações sociais. Experiência controlada através da comparação de uma sociedade com outra e pela convivência com o mundo social.
Impregnar-se dos temas de uma sociedade, seus ideais, suas angústias, são no que consiste a etnografia. Sendo que a etnologia não tem um objeto próprio, ela tem uma abordagem, um enfoque particular, pois diferenças de vida e pensamento existem em toda e qualquer sociedade. E a Antropologia ensinou que o etnocentrismo - crença firme na verdade da própria cultura de alguém, idéia de que a própria cultura ou crença de cada um são a verdade ou a maneira superior de lidar com o mundo - é falso, pois as culturas são iguais, nenhuma possui o monopólio da verdade e todas merecem respeito.

Diferenças entre as expressões
Vale salientar que:
“a etnografia, a etnologia e a antropologia constituem os três momentos de uma mesma abordagem. A etnografia é a coleta direta, e o mais minucioso possível, dos fenômenos que observamos, por uma impregnação duradoura e contínua e um processo que se realiza por aproximações sucessivas (...). A etnologia consiste em um primeiro nível de abstração: analisando os materiais colhidos, fazer aparecer a lógica específica da sociedade que se estuda. A antropologia, finalmente, consiste em um segundo nível de inteligibilidade: construir modelos que permitam comparar as sociedades entre si...” (Laplantine, 1996:25).
            Mas no final das contas é tudo Antropologia.

Alteridade

            Descoberta proporcionada pela distância em relação a nossa sociedade: “aquilo que tomávamos por natural em nós mesmo é, de fato, cultural; aquilo que era evidente é infinitamente problemático” (Laplantine, 1996:21).
            Daí a necessidade na formação antropológica do “estranhamento”, isto é, a perplexidade provocada pelo encontro das culturas que são para nós as mais distantes, levando tal encontro à modificação do olhar que se tinha de si mesmo.
            Presos a uma única cultura ficamos cegos às outras e míopes em relação a nossa.
            A experiência e elaboração da alteridade levam a ver aquilo que nem se consegue imaginar devido à dificuldade em prestar atenção ao que é habitual, familiar, cotidiano e considerado evidente.
            Através da experiência da “diferença” passa-se a notar que o menos dos comportamentos não é natural, causando surpresa sobre nós mesmos.
            O conhecimento antropológico de nossa cultura passa pelo conhecimento das outras culturas.
            Para a antropologia o que caracteriza “unidade” do homem é sua aptidão para inventar modos de vida e formas de organização social muito diversos. O que seres humanos têm em comum é a capacidade para se diferenciar uns dos outros, para elaborar costumes, línguas, modos de conhecimento, instituições, jogos muito diversos.
            O projeto antropológico consiste no reconhecimento e conhecimento junto com a compreensão de humanidade plural. A abordagem antropológica provoca a revolução do “olhar”, implicando num descentramento radical, ruptura com a idéia de há um “centro do mundo”.
            Descoberta da alteridade é descobrir relação que nos permite deixar de identificar nossa pequena província de humanidade como a humanidade e assim deixar de rejeitar o presumido “selvagem” fora de nós.

Fontes:
DAMATTA, Roberto (1987) Relativizando; Uma Introdução à Antropologia Social. Rio de Janeiro, Rocco.
LAPLANTINE, François (1996) Aprender Antropologia. 9ª edição. São Paulo, Editora Brasiliense.
MELLO, Luiz Gonzaga (1987) Antropologia Cultural. Iniciação, Teoria e Temas. 4ª edição. Petrópolis, Editora Vozes.
SHIRLEY, Robert Weaver (1987) Antropologia Jurídica. São